Egon Heck, do
Secretariado Nacional do Cimi, e Fernanda Moreira, do Cimi Regional Norte II
Fotos: Rosamaria Loures e Fernanda Moreira/Cimi
Fotos: Rosamaria Loures e Fernanda Moreira/Cimi
A delegação indígena Munduruku chegou nesse início de semana
para mais um momento intenso de luta pelos direitos de seu povo, dos povos
indígenas do Brasil e das populações tradicionais.
Depois de mais de 50 horas de ônibus, chegaram cansados, mas
apesar de tudo muito animados para as batalhas que estavam pela frente.
Uma das questões importantes a destacar foi a expressiva e
incisiva participação de mulheres guerreiras, cacicas, lutadores em suas
aldeias, casas e espaços de luta nacional e internacional. São quase um
terço da delegação que nesta semana está fazendo incidência em vários espaços
políticos em Brasília. Somadas aos jovens, são expressiva maioria.
Na semana anterior, as mulheres realizaram o I Primeiro I
Encontro de Mulheres Munduruku no Médio Tapajós, na aldeia Praia do Índio, em
Itaituba (PA), entre os dias 21 e 24 de novembro. Como convidadas, também
participaram mulheres dos povos Apiaká, Baré, Borari, Katxuyana, Karipuna e
Tupinambá, além de caciques, guerreiros, professores,
cantores e artesãos Munduruku. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia
Brasileira (COIAB), o Movimento Munduruku Ipereg Ayu, a Federação dos Povos Indígenas do Pará (FEPIPA) e a
Articulação dos Povos Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP) também estiveram representadas no encontro.
“Queremos deixar bem claro para o governo, que nós, mulheres
indígenas, somos do mesmo sangue e por isso nossa reivindicação é única:
defender o nosso território, nosso rio e nossa floresta, que é nossa mãe. Por
causa do Governo, ela está derramando lágrimas. Lágrimas que caem como o leite
de nosso peito. O que mata o nosso direito, o nosso modo de viver, a
gente sente em nosso estômago”, afirma odocumento
final do encontro (leia aqui).
Guerreiras corajosas e decididas
Ao lançarmos um olhar na luta de resistência nas últimas
cinco décadas, iremos observar um fenômeno promissor, que é a crescente
participação das mulheres nos processos de luta pelos direitos e pela vida.
Quem não lembra o gesto decisivo de Tuíra Kayapó, encostando
o facão no pescoço do representante da Eletronorte, que fazia a defesa da
construção de Kararao – que depois passou a se chamar Belo Monte? O gesto de
Tuíra correu o mundo e segurou por mais de 20 anos a construção da
hidrelétrica. Há poucas semanas Tuíra novamente se fez presente na audiência
Pública realizada no Ministério Público Federal em Brasília, para discutir as
recomendações do relatório da responsável pelos povos indígenas na ONU.
Desta vez ela passou em frente aos representantes da mesa de
debate, apontando com a borduna, manifestando sua indignação e contrariedade
com que o Estado brasileiro vem tratando os povos indígenas, e principalmente
pelas violências e desastres advindos da implantação dos grandes projetos na
Amazônia.
Quem não lembra, também, dos gestos heroicos das mulheres
dos povos da Raposa Serra do Sol, ao se empenharem com êxito numa campanha
contra o alcoolismo naquela Terra Indígena? Foi uma batalha longa, mas que elas
assumiram com garra e determinação.
Quem não lembra do texto contundente de Andila Kaingang, na
década de 70, contra as violências sofridas pelo seu povo com as massivas
invasões de suas terras e saque dos recursos naturais?
Quem não lembra da professora Léia Aquino Kaiowá Guarani,
que com um grupo de crianças resistiu na estrada por ocasião da expulsão de sua
comunidade de Nhanderu Marangatu, e depois fez cantos de protesto, cantados por
crianças dessa comunidade? As Aty Guasu Kuña (Grandes Assembleias das Mulheres)
são o importante espaço de articulação das mulheres Kaiowá Guarani.
E assim poderíamos elencar dezenas que momentos fortes de
participação das mulheres na luta por seus povos. Mas em especial, o que é mais
impressionante, são as resistências silenciosas, quando seus filhos choram e
elas não tem o que dar de comer, como acontece muito nos acampamentos de beira
da estrada no Mato Grosso do Sul.
Lutas e articulações das mulheres indígenas
Desde surgimento de um novo movimento indígena a partir da
década de 70, com a realização das Assembleias indígenas, vemos que houve um
expressivo crescimento da participação das mulheres. Atuando mais nos
bastidores, incialmente, aos poucos elas foram assumindo papéis e expressões
políticas cada vez mais relevantes. Passaram a se articular e organizar, para
dar consistência às lutas que conjuntamente com os homens eram travadas.
Nas regiões onde foram se consolidando processos
organizativos por povos e regiões, como em Roraima e no alto Rio Negro, também
aconteceram as organizações das mulheres indígenas. No Oiapoque, há mais de 30
anos, as mulheres estão engajadas, a partir do trabalho de parteiras e de
reuniões apoiadas pelo Cimi, o que resultou na criação da Associação das
Mulheres em Mutirão (AMIM). A coordenadora-geral da entidade, Bernadete Santos
(foto acima), esteve presente no encontro e contou sobre a importância dessa
iniciativa no fortalecimento da mulher indígena. Em Manaus, por sua vez, se
criou a Articulação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN).
Mais importante do que as organizações propriamente ditas, o
que de fato vai se consolidando é um processo de tomada de consciência por
parte das mulheres, no sentido de aperfeiçoar e solidificar as lutas de seus
povos e também enfrentarem as violências domésticas e agressões em suas
próprias casas.
O que está sendo muito promissor são os encontros regionais
das mulheres indígenas, organizadas em seus povos, áreas culturais e mesmo em
nível nacional.
Dizemos Basta
“Estamos vivas como mulheres, como mães e juntas dizemos
basta”! Assim se expressaram as mulheres Munduruku e representantes de mais
sete povos indígenas da Amazônia.
No decorrer do encontro foram expressando seus sentimentos
nesse importante momento de sua história de resistência a afirmação de seus
direitos. “Nós somos mães, filhas, esposas, mulheres indígenas. Estamos juntos
com nossos maridos, nossos guerreiros, somando. Vimos a necessidade de
fortalecermos essa luta”.
Reconhecem que a luta que tem pela frente não é fácil:
“existem muitos Desafios para a nossa participação enquanto mulher, temos que
nos preparar para construir nosso caminho ao lado dos homens, o que vem
contribuindo para a conquista dos nossos direitos”.
As representantes indígenas do Baixo Tapajós, dos povos
Borari e Tupinambá, contaram sobre sua luta pela terra e sobre a participação
em processos de autodemarcação, trocando experiências com as guerreiras
munduruku que estiveram presentes na
autodemarcacao da Terra Indígena Sawre Muybu, entre outubro de 2014 e julho de
2015.
Irleusa Robertino, professora e presidente da Associação
Apiaká Iakunda’y de Pimental, fez breves considerações sobre a recente
constituição do movimento Apiaká em Pimental e os desafios da luta pelo
auto-reconhecimento enquanto povo indígena e pela garantia do acesso à saúde
diferenciada, por meio da SESAI, e ao atendimento pela Funai de Itaituba.
Contou que os Apiaká sofreram um brutal processo de
colonização que implicou a perda progressiva da língua, falada apenas por dois
parentes do Mato Grosso, e reproduziram um canto Apiaka, que vem sendo ensinado
nas escolas das aldeias, como parte do projeto de resgate e revitalização de
suas práticas culturais. Celeide Kaxuyana, também professora, compartilhou
quais são os desafios em relação à educação e saúde enfrentados no Tumucumaque
e sobre como se organizam na APOIANP.
Maria Leusa Munduruku, coordenadora do Movimento Ipereg Ayu,
explicou que as mulheres do Alto Tapajós vêm se organizando e se fortalecendo
politicamente e que, em 2016, realizaram três oficinas e um grande encontro, em
setembro, momentos em que discutiram as ameaças aos seus territórios, suas
formas de resistência, a capacidade feminina de gerar e cultivar e iniciaram a
construção de seu plano de vida.
Claudete Saw, liderança do Médio Tapajós, comentou sobre a
importância de se reunirem e compartilharem suas histórias, os desafios e
repressões que enfrentaram por serem as primeiras mulheres a participarem de
conselhos, reuniões e organizações indígenas. Alessandra Korap, chefe das guerreiras
do Médio Tapajós completou que espera que esse encontro possa inspirar jovens a
participarem do movimento indígena e a valorizarem as práticas culturais
munduruku. Durante as tardes dos dias 22 e 23, foram realizadas oficinas
práticas de artesanato e tecelagem tradicional e, ao final do evento, mulheres
munduruku e convidadas trocaram peças e alimentos tradicionais de seus povos.
Angela Kaxuyana, liderança da FEPIPA, ao iniciar a sessão
sobre a participação das mulheres nas organizações regionais indígenas, faz
referência à fala de Amâncio Ikon Munduruku, que reforça que as mulheres devem
estar no processo porque elas falam forte, falam com o coração. “Nós Mulheres
falamos manso, mas quando mexem com nossos povos, ficamos bravos. Nossa luta
vai além de ser mulher indígena, é luta de mãe, de filha, então não tem como
não falar com o coração se você fala do futuro dos nossos filhos, do
território, da segurança deles”, acrescentou Nara Baré, da Coiab.
Ao finalizar o documento as mulheres participantes do
encontro se dirigem ao governo: “Queremos dizer para o governo que nós mulheres
indígenas somos capazes de ensinar. Se quiser, a gente pode ensinar como se
cuida do território. Não vamos abrir mão dos nossos territórios tradicionais e
nem da Amazônia. Não queremos mais ouvir o ‘Odaxijom! Odaxijom! Odaxijom!’, o
pedido de socorro de nossa Mãe Terra, e nem o choro das nossas crianças”.
As indígenas do Alto e Médio Tapajós concluem a carta
resultante de seu primeiro encontro fazendo suas exigências:
- Não aceitamos qualquer tipo de criminalização de nossas
lideranças indígenas e de povos e comunidades tradicionais que lutam em defesa
dos nossos direitos e pela garantia do bem viver das gerações que virão;
- Exigimos o fim dos projetos de morte para a nossa Amazônia, como portos, hidrovia, mineração, hidrelétricas, concessão florestal e outros;
-exigimos que o Governo respeite o Protocolo de Consulta Munduruku, as formas de consulta de todos os povos e nossas decisões.
Sawe! Avançaremos!
- Exigimos o fim dos projetos de morte para a nossa Amazônia, como portos, hidrovia, mineração, hidrelétricas, concessão florestal e outros;
-exigimos que o Governo respeite o Protocolo de Consulta Munduruku, as formas de consulta de todos os povos e nossas decisões.
Sawe! Avançaremos!
Clique
aqui para ler a Carta do I Encontro de Mulheres Munduruku do Médio e Alto
Tapajós na íntegra.