“Nós resistimos a mais de 516
anos de golpes. Querem nos calar. Vamos gritar mais forte. Estamos dando
continuidade à luta dos povos originários desse país. Estou indignado, mas não
irado. Estamos prontos para a guerra. Se me matam vou renascer”. Essas são algumas das manifestações da
delegação dos índios Xakriabá, de Minas Gerais.
Um novo amanhecer
Mal os primeiros clarões de mais
um belo dia de outono, se projetam sobre o Centro de Formação Vicente Cañas, e
os Xakriabá iniciam seus rituais: pinturas corporais, afastamento de maus
espíritos, agradecimentos e pedido de forças a Tupã e aos encantados. Terão
pela frente uma missão nada fácil. Lutar
pelos direitos dos povos indígenas num contexto extremamente polarizado entre
os que pleiteiam o impedimento da presidente Dilma e os que avaliam essa
postura como um golpe.
De uma coisa eles têm certeza:
deverão estar unidos, articulados e mobilizados pelos seus direitos, seja lá
qual for o desfecho da atual crise. Havendo impeachment ou não. É com essa
convicção que partiram resolutos para o espaço do acampamento da Frente Brasil
Popular, integrada pelos movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos,
povos e comunidades tradicionais, trabalhadores sem terra, movimento dos
pequenos agricultores, atingidos por barragens, movimento das mulheres
camponesas, dentre outros. Não alimentam ilusões diante da malograda política
indigenista do atual governo, mas confiam no poder de transformação social a
partir da luta e aliança de todas as vítimas históricas desses momentos de
profundas crises econômica, política, social e ambiental. Continuarão exigindo
seus direitos, independente dos desfechos conjunturais. A demarcação dos seus
territórios será exigida, pois se trata de direitos constitucionais
originários, portanto anteriores à criação do Estado brasileiro. Igualmente
denunciarão, em fóruns nacionais e internacionais, as violências, a
criminalização, as omissões e a falta de políticas públicas eficazes para a
garantia de seus direitos. Estarão combatendo a PEC 215 e todas as iniciativas
no Congresso, que visam tirar os direitos indígenas. Denunciarão a
criminalização de lideranças indígenas, funcionários da Funai e aliados.
Na avaliação sobre as
mobilizações, os guerreiros e guerreiras, em sua grande maioria de jovens,
externaram sua crença de que tem sido positiva a presença junto aos movimentos
sociais e a participação no momento informativo/formativo e na mobilização
contra os “impérios e monopólios da comunicação”.
Cobraram da Funai o andamento de
processos de regularização de seu território e visitaram gabinetes de ministros
do Supremo Tribunal Federal. Entregaram um documento no qual chamam atenção
para ameaças a seus direitos. No final do dia, a delegação ainda participou de
mobilizações do acampamento da Frente Brasil Popular.
Em carta entregue ao ministro do
STF, Luiz Edson Fachin, expressam as preocupações de seu povo e dos povos
indígenas do Brasil:
Nós, Povo Indígena Xakriabá, oriundos da
margem do rio São Francisco, reunidos em Brasília-DF entre os dias 11 a 15 de
abril de 2016 vimos até Vossa Excelência entregar esta respeitosa carta e
requerer o que nela segue:
Nosso povo, assim como a grande maioria dos
povos indígenas do Brasil, teve seu território roubado por fazendeiros sob a
guarida do Estado brasileiro. Na luta pela demarcação, que já dura mais de um
século, várias lideranças nossas foram assassinadas. Por esse motivo, a
demarcação das nossas terras é uma dívida que o Estado tem com nossa gente.
Ademais, não admitimos que o marco temporal,
discutido pelo STF, possa impossibilitar que nossas terras nos sejam
devolvidas. Essa interpretação nociva da Constituição Federal tende a retirar o
direito à terra de milhares de indígenas e quilombolas, por isso pedimos
encarecidamente que possa ser contra mais esse ataque a nossos direitos
garantidos no art. 231 da Constituição.
Por fim, pedimos a Vossa Excelência que
possa contribuir com os povos indígenas e, para isso é necessário apenas a
aplicação do direito indígena previsto na Constituição de 1988. Não aceitamos a
retirada dos nossos direitos e, por isso, mais uma vez, rogamos por Vossa
intervenção em nosso favor (Brasília-DF, 13 de abril de 2016. Lideranças Xakriabá).
Quem resistiu a mais de cinco
séculos de golpes, massacres, invasões, etnocídio, genocídio e toda a forma de
violências, certamente atravessará esse mar de incertezas, incólumes e dispostos
a continuar contribuindo com a construção de um Brasil mais justo, com menos
corrupção e mais solidariedade, mais democrático e participativo.
Egon Heck – fotos Laila/Cimi
Secretariado Cimi
Brasília, 14 de abril de 2016.