“A Funai (Fundação
Nacional do Índio) vai recorrer a países como Estados Unidos, Alemanha e
Noruega para reforçar o seu caixa em 2016. A decisão, confirmada pelo
presidente da instituição, João Pedro Gonçalves, acontece após cortes no
orçamento reduzirem os recursos da Funai ao menor nível em
quatro anos” (UOL, 13/01/16).
Por ocasião da criação da Funai,
no final de 1967, uma questão central debatida foi que caráter teria o órgão
indigenista. Seria um órgão de Estado, que nesse caso garantiria os recursos para
funcionamento, ou seria uma fundação, com possibilidade de captação de recursos
de diversas fontes, privadas ou públicas, nacionais ou internacionais? Prevaleceu
a segunda hipótese, sendo por isso denominada de Fundação Nacional do Índio.
Na prática, os governos da
ditadura faziam questão de bancar a fundação, pois ela precisava estar sob
controle. A Funai, por sua vez, buscaria controlar os índios. E com o máximo de
rigor. Foi o que aconteceu. A Funai, que herdara 700 funcionários do Serviço de
Proteção ao Índio (SPI), depois de sete anos estava com sete mil.
Nos primeiros anos os recursos
provinham em grande parte da exploração “empresarial” dos recursos naturais em
terras indígenas, especialmente a madeira e do arrendamento de terras, que na
verdade foi também um dos principais mecanismos para invadir os territórios dos
povos nativos. O famigerado Departamento Geral de Patrimônio Indígena (DGPI) da
Funai funcionou com a mesma filosofia de uma empresa. Os índios tiveram sorte
de não prosperar a “mineradora Funai”, como propôs na década de 1970 o delegado
regional de Manaus, “Cazuto Kavamoto”.
Funai: começo ou fim
O Estado brasileiro, desde que
definiu sua política de integração e extinção dos índios, no início do século
passado, sempre submeteu sua política com relação aos povos nativos e seus
direitos, aos interesses das classes e elites dominantes. Portanto, não é de
estranhar que o SPI tenha se transformado num antro de corrupção e violência nesse
país. É só consultar o Relatório Figueiredo e o relatório da Comissão Nacional
da Verdade para confirmar isso.
A Funai, com seus quase 50 anos
de existência, com mais de 30 presidentes, foi alvo de severas críticas por
parte dos povos e movimento indígena, que muitas vezes a qualificaram como
“Funerária Nacional do Índio”. O deputado Mario Juruna, do povo Xavante, num de
seus arroubos de indignação declarou que a Funai deveria se chamar “Fundação Nacional
dos Coronéis”.
Hoje a Funai encontra-se esquelética
e sucateada, sob o fogo cruzado de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI),
na Câmara dos Deputados, vendo seus orçamentos sendo reduzidos numa inequívoca
prova de que para o governo nem de
longe a questão indígena é prioridade.
É também notório que a escolha de
um político do PT, o ex-senador João Pedro, enquadrou a Funai no estreito
corredor de aprovadora de projetos de interesse do atual governo e normalmente
contrários aos direitos dos povos
indígenas. A recente e apressada
aprovação pelo presidente da Funai, da passagem do linhão de Tucuruí até Boa
Vista, em pleno território Waimiri Atroari e contra a decisão dos mesmos, é
mais um exemplo da nociva função política da Funai.
Ministério dos Povos Indígenas
No Chile, a presidente Bachelet,
ao criar o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que o ministério “colaborará
com a criação e a coordenação de políticas e programas para fortalecer os povos
indígenas, sua cultura, seus interesses, sua participação em debates
importantes, como o da reforma constitucional, e assim evitar toda forma de
discriminação arbitrária”. Criou também o Conselho Nacional dos Povos
Indígenas, que deverá trabalhar junto com o ministério, e contará com
participação de representantes das nove etnias indígenas reconhecidas pelo
Estado – aymara, quechua, atacameña, diaguita, kolla, rapa nui, kawésqar, yagán
e mapuche. Cada uma terá também seus conselhos específicos que trabalharão como
instâncias regionais do Conselho Nacional
.
É claro que criar estruturas que
teoricamente são um gesto de valorização dos povos nativos, não necessariamente
significa um passo incisivo para a autonomia e autodeterminação dos povos
indígenas. Por essa razão os Mapuche, por exemplo, veem com certo ceticismo a
criação do ministério. Caso a lei antiterrorismo seja acionada mais uma vez contra
esses povos, haverá ministério que se contraponha a essas iniciativas de
criminalização por parte do estado chileno?
Egon Heck
Cimi- Secretariado Nacional
Brasília, 02 de janeiro de 2016.