Um calor de rachar,
característica de uma das cidades mais quentes do país, vai amenizando no final
desse dia 22 de setembro. Aos poucos
representantes da maioria dos povos indígenas do Estado vão chegando ao simpático
espaço Krãnipi Casa do estudante
Indígena de Palmas
“Essa é uma conquista de todos nós. Mais um
espaço de apoio às nossas lutas”, afirmou Wagner Krahô Kanela, presidente da
organização indígena UNEIT (União dos
Estudantes Indígenas do Tocantins). Antonio Apinajé complementou dizendo aos
estudantes indígenas “Lembrem-se de que o estudo que vocês vêm buscar aqui na
Universidade só tem sentido se vocês continuarem ligados à luta e conhecimentos
tradicionais dos nossos povos. Não esqueçam e deixem de buscar os conhecimentos
e sabedoria dos anciões. Essa Casa do Estudante só terá sentido e cumprirá seus
objetivos se vocês fizerem dela um espaço de apoio aos direitos dos povos indígenas deste Estado”.
O Reitor da Universidade Federal
do Tocantins, Márcio Antônio da Silveira,
de forma muito espontânea foi recebendo as delegações indígenas que
foram chegando. Ao se referir a esse
gesto, Adelar Cupinsk, da assessoria jurídica do Cimi comentou “Alguma coisa
está mudando. Quando se via um reitor ir ao encontro e receber dessa forma os
povos e estudantes indígenas?” A equipe
do regional do Cimi Goiás Tocantins nutria um sentimento de alegria ao ver
finalmente um sonho dos estudantes indígenas realizado. Eles não mediram
esforços para que esse momento acontecesse. Buscaram aliados para a construção
da obra e realizaram todo o processo de
forma participativa e em diálogo permanente com as comunidades, povos e organizações
indígenas. Após cantos, rituais e falas indígenas, foi descerrada a placa de inauguração do espaço
onde 48 estudantes indígenas estarão
hospedados durante o período de seus cursos universitários. A Universidade
Federal do Tocantins assumiu o espaço e sua administração.
Lembrou o Reitor que existem atualmente 200 estudantes indígenas e que buscarão
ampliar esse número através do sistema de cotas, assumido por esta
Universidade.
Resistir para existir, na luta e na esperança
No dia 23 teve início, no Colégio
Marista de Palmas, um importante
seminário sobre a luta dos Povos Indígenas e populações tradicionais em defesa
de seus direitos e territórios. Com a participação dos povos indígenas do
Estado de Tocantins, do Maranhão, Pernambuco e Bahia, e dos movimentos sociais
e aliados dessas causas, ecoou o grito
das vítimas de um sistema perverso de avanço do agronegócio, desrespeitando os povos indígenas e comunidades tradicionais,
gerando destruição brutal da natureza e
lágrimas. A natureza chora, seus filhos clamam, pedem socorro.
Diante desse processo de
violência e desrespeito dos direitos e
da vida, os participantes debateram e
definiram suas estratégias de luta e resistência. Só existe um caminho de enfrentamento: a
união de todos os atingidos por esse avanço do agronegócio e seus rastros de destruição e morte.
Durante todo o dia foram
realizadas mesas de exposição e debates em que
foram expostos os sofrimentos e o clamor da mãe terra e seus filhos.
Nailton Pataxó relatou o processo de luta de seu povo para a reconquista de seu
território. “Esperamos 30 anos pela justiça, depois formei guerreiros que foram
retomando nossas terras. Terra não se
ganha, se reconquista” expressou sua alegria e felicidade por terem suas terras
de volta e poderem cuidar da mãe natureza e viver de seu jeito, em paz e
harmonia. “A luta não acabou. Me sinto em missão, enquanto todos os povos
indígenas não tiveram suas terras demarcadas estaremos com eles apoiando esse
sagrado e constitucional direito às suas terras. O índio sem terra não tem vida” Diante da decisão do governo de total paralisação da
demarcação das terras, acredita que o
caminho será o das autodemarcações. Fez relatos emocionados das lutas de
conquista dos direitos indígenas na Constituição.
Gercília Krahô após reiterar as
denúncias das graves conseqüências do avanço dos grandes projetos sobre o
território de seu povo demonstrou a confiança de que enfrentarão esses grandes
interesses que não conseguirão destruir
os filhos da terra pois “somos o broto e a semente da terra e por ela vamos
lutar até morrer”.
Palmas palco de polêmica
A cidade está envolta
nos preparativos dos jogos mundiais indígenas, que são alvo de muitas
críticas e contestações por vários segmentos da sociedade. Neste primeiro dia
do seminário foram feitas críticas contundentes a esse evento, por lideranças de
vários povos. Uma liderança do povo Karajá chamou atenção para as várias formas
que o atual governo vem utilizando para matar os índios, com ações e omissões.
Lembrou que enquanto estavam reunidos, em Brasília estavam tentando aprovar o
relatório da PEC 215. E asseverou “ Ninguém do Estado de Tocantins deveria
participar dos jogos mundiais indígenas”.
Enquanto o seminário ia debatendo
os graves problemas que envolvem os povos indígenas , repercutiam as recentes
manifestações do Povo Krahô de não participar dos Jogos Mundiais Indígenas e
igual posicionamento dos Apinajé em recente Assembléia.
À
noite foi feito o lançamento do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas com os dados de 2014. Se lembrou a importância de dar
visibilidade às violências, agressões e
genocídio contra os povos indígenas no Brasil. Foi mencionado a grave situação dos Kaiowá Guarani do Mato
Grosso do Sul, ressaltando a importância dos povos indígenas do Brasil pensarem
ações concretas de apoio à luta pelos
territórios e vida desse povo submetido a um verdadeiro quadro de guerra e
genocídio.
Foi igualmente descrito
detalhadamente a terrível trajetória dos Avá Canoeiro do Araguaia, submetidos a
uma guerra de extermínio nas últimas décadas. Revelando os planos e ações de
extermínio a que foram submetidos, a antropóloga Patrícia, narrou a trajetória
desse povo hoje reduzido a 25 pessoas, e com o processo de regularização de
suas terras paralisadas no Ministério da Justiça.
Hoje continuam as atividades do
Seminário, promovido do Cimi regional Goiás
Tocantins, com debate sobre conjuntura indigenista – desconstrução de
direitos indígenas e uma mesa sobre os
Jogos Mundiais Indígenas. À tarde haverá uma audiência pública na Assembléia
Legislativa.
Egon Heck
Cimi – regional Goiás Tocantins
Palmas, 24 de setembro de 2015