Enquanto busco entender um pouco melhor todo o processo em
que está envolvido esse megaevento, vejo o reloginho no sítio eletrônico dos
Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMI) marcar que faltam 38 dias, 22 horas,
26 minutos e 53 segundos para o início desse evento. No ofício 03/2015,
encaminhado pelos 28 caciques do povo Krahô, do estado do Tocantins,
encaminhado no dia 10 de setembro aos organizadores do Jogos, eles exigem que
os “organizadores do evento retirem as imagens e o nome Krahô de qualquer meio
de comunicação que sirva de promoção aos Jogos Mundiais Indígenas”.
Nas razões de sua decisão perguntam “Como
podemos participar de um evento financiado por um governo que está promovendo o
genocídio de nossos parentes Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, e em várias
outras regiões do país? Como podemos participar de um evento promovido
pela senadora Katia Abreu, uma das
principais responsáveis pelo avanço do
movimento anti-indígena no nosso país?”
No mesmo documento os caciques Krahô denunciam a forma como
é conduzido o processo dos JMI, que serve muito mais para promover sua própria
imagem, do que efetivamente apoiar a causa indígena.
Em função desses procedimentos, os caciques afirmam categoricamente que o povo Krahô não
participará dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas.
Em seu “Manifesto crítico sobre os jogos mundiais
indígenas”, a liderança Antônio Apinajé afirma que “é por causa da luta pela
terra que muitas lideranças indígenas estão sendo criminalizadas, presas, espancadas ou assassinadas a mando de
fazendeiros e políticos”.
Antonio Apinajé ainda faz várias perguntas que, certamente,
devem estar martelando a consciência dos promotores desses Jogos. Chama atenção
para a difícil e até dramática situação pela qual passam vários povos indígenas
no país, em particular no Mato Grosso do Sul. Afirma que “a melhor atitude pela
paz é também demarcar e respeitar os
territórios indígenas, que são sagrado para nossos povos e necessários para o
equilíbrio e a sustentação do clima no planeta terra.”
No final do 1º dia da 21ª Assembleia Geral do Conselho
Indigenista Missionário (Cimi), com mais de 160 participantes de todo o país,
foi feito o lançamento de várias publicações do Cimi e de entidades de apoio à
causa indígena. Dentre as publicações está um folder que traz importantes
elementos para entender quem ganha e
quem perde com a realização dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Procura,
principalmente, trazer elementos da conjuntura em que se realizarão os jogos.
Alguns problemas levantados pelos povos indígenas com
relação a este mega evento dizem respeito aos custos. De acordo com a própria
Secretaria Extraordinária dos Jogos Mundiais Indígenas, mais de R$ 100 milhões
foram disponibilizados para a realização deste evento, enquanto o governo tem
um orçamente pífio para a demarcação das terras e dos territórios tradicionais
indígenas. Também fazem alusão à baixa participação dos povos indígenas do
Brasil (dos 305 povos no Brasil, apenas 24 participarão; dos dez povos do
estado de Tocantins, apenas três participarão); aos riscos da folclorização; à
distorção da realidade, no sentido de
camuflar a verdadeira situação de extrema vulnerabilidade de diversos povos,
assim como de tirar o foco da atual crise política e econômica; distorcer o
significado profundo e sagrado dos rituais em seus contextos e propósitos
originais, colocando-os em um ambiente de competição e comercialização.
Lindomar Terena, liderança
indígena do Mato Grosso do Sul, denuncia: “Estes jogos escondem a
verdadeira face do governo no massacre dos povos indígenas, elevando a imagem
governamental e de alguns indivíduos, enquanto continua negando aos povos o
direito sagrado à terra, à cultura e ao modo de vida originário. Enquanto
governo e aproveitadores sonham com uma 'FIFA indígena', os desmontes,
suspensões e ataques aos nossos territórios demonstram que logo todas as terras
indígenas não caberão nem ao menos no espaço de um campo de futebol.”
Egon Heck
Cimi Secretariado
Brasília, 16 de setembro de 2015