“O
litoral da invasão é um barril de pólvora. Não temos mais tempo. Não dá para
esperar. Se o governo não demarcar nossas terras, nós mesmos vamos demarcar. O
governo diz que quer evitar o conflito, quando na verdade só o faz aumentar! E
se não resolver vai correr muito sangue. Só Tupinambá foram 21 assassinados nos
últimos anos. Não vamos ter medo. O governo pisa nos povos indígenas. O governo
está levando as coisas na brincadeira”.
Esses desabafos indignados
refletem o clima em que se deu o debate das 80 lideranças indígenas de quatro
povos indígenas do sul, extremo sul e nordeste da Bahia. No 11º andar, num
confortável auditório, na sede do INCRA em Brasília, o clima esquentou. As
lideranças indígenas cobraram duramente respostas efetivas dos representantes
do Ministério da Justiça, da Secretariada Geral da Presidência da República, da
Funai, do ICMBio e do INCRA.
As lideranças manifestaram uma
profunda desconfiança e descrença nas atitudes, omissões e ações ineficazes do
governo com relação à gravíssima situação de conflito e tensões que se espalham
na maioria das terras indígenas na Bahia.
“Nos sentimos traídos. Já são 12 anos de governo do PT, que se diz o
partido dos trabalhadores, mas tem compromisso com os ruralistas, o
agronegócio. Não cumpriu suas promessas com relação aos nossos direitos.
Votamos no Lula que prometeu demarcar todas as terras indígenas e quase nada
fez. Apoiamos Dilma, essa nem sequer mencionou em seu projeto de governo a
questão indígena. Quero deixar claro que isso muito nos entristece, mas não nos
desanima, porque já resistimos 514 anos e vamos continuar fortalecidos por Nhamisu, Siratã, Tupã”.
As respostas dadas pelos
representantes dos órgãos do governo foram questionadas por serem evasivas e
sem concretude, numa atitude velada de quem não quer resolver os
problemas. “Mais 30 dias, nos pedem cada
vez mais prazos. A cada vinda a Brasília, e já foram inúmeras, obtemos a mesma
resposta. Nos deem mais tempo. Tempo já não temos mais”, afirmou energicamente
Aruã Pataxó.
A questão vital e crucial é a total paralisação da
regularização das terras indígenas e as consequentes violências que decorrem
desse fato. O representante Tupinambá questionou energicamente o ministro da
Justiça por estar se negando a assinar a portaria declaratória da terra
indígena Tupinambá de Olivença. Informou aos embasbacados representantes de
órgãos do governo que eles estão fazendo a sua parte, tendo constituído um
fórum de diálogo do qual os caciques estão participando, juntamente com os
produtores rurais. Todos pedem e esperam desesperadamente uma decisão e um
posicionamento do ministro da Justiça. Ou seja, questionam duramente a postura
de omissão do governo federal.
O representante do Ministério da Justiça se estribou na
solução que é – hilária e ironicamente – apresentada como a tábua de salvação,
que são as “mesas de negociação”. E por ironia do destino, o exemplo exaltado é
o que estão fazendo no Mato Grosso do Sul.
A pior decisão é não decidir
Diante
da insistência de que o ministro está cauteloso em assinar portarias
declaratórias, pois estas poderiam logo ser judicializadas e de que isso
geraria ainda mais violência, o secretário do Cimi questionou essa atitude
política do ministro: “Divergimos dessa leitura do ministro, pois todas as informações
que temos, junto com as comunidades indígenas, sustentam exatamente o
contrário: a não demarcação é que gera e agrava sempre mais os conflitos. E
diante da judicialização estas acontecerão em qualquer hipótese”.
“O governo pisa nos povos indígenas. Não fala a verdade...
Quando esperávamos que a cobra iria desenrolar, ela enrolou mais ainda”,
exclamou uma das lideranças. Diante da “agenda” evasiva e insatisfatória
proposta pelos representantes do governo, decidiram exigir um compromisso por
escrito e assinado por todos, para que tivessem algo em mãos para cobrar na
próxima vinda a Brasília.
Desfecho melancólico para mais um momento de diálogo, com
todas as características de ineficácia, pois só uma decisão política clara em
favor dos direitos dos povos indígenas poderia garantir resultados positivos,
definitivos e duradouros.
Os povos indígenas da Bahia cumpriram sua missão de
mobilização e exigência de seus direitos, de não à PEC 2015 e a todas as
investidas anti-indígenas em curso hoje no Estado brasileiro. Exigem urgência,
eficácia e coerência com relação aos povos originários desta terra.
Egon Heck
Cimi – secretariado nacional
Brasília, 21 de março de 2015.